A área de pesquisa em bioética, como hoje é entendida, difundiu-se internacionalmente a partir de 1971, originária dos Estados Unidos da América do Norte (EUA), após a publicação do livro Bioethics – a Bridge to the Future, de autoria do insigne cancerologista e pesquisador, por muitos anos presidente do National Cancer Institute daquele país. A expressão potteriana entendia a bioética como “a ética da vida”, no seu mais amplo sentido.

    Seu espectro incluía, além dos problemas biomédicos usuais e os temas relacionados aos usos (e abusos) das biotecnologias emergentes naquela época, também as questões filosóficas, sociais e ambientais, com uma lúcida visão de futuro. Poucos meses após a publicação do livro de Potter, o Kennedy Institute of Ethics, de Baltimore, por meio de Andre Helleggers, apropriou-se do neologismo, conferindo-lhe uma conotação especificamente biomédica e biotecnológica, direcionada à relação dos profissionais de saúde com seus pacientes e dos investigadores com os sujeitos de pesquisa, principalmente no caso das pesquisas clínicas biomédicas.

   Na mesma época, preocupado com os crescentes abusos éticos verificados nos EUA com as pesquisas envolvendo seres humanos, o governo estadunidense designou, em 1974, uma Comissão, historicamente conhecida como Belmont Commission, por se reunir na homônima cidade, para re-definir os critérios (éticos) neste campo. Em 1978 foi divulgado o Belmont Report, cujos princípios referenciais – autonomia, beneficência e justiça – permitiram a Tom Beauchamp e James Childress escrever, em 1979, o livro que se tornou referência para a bioética em todo mundo: The Principles of Biomedical Ethics, com a adição de um quarto princípio, a não maleficência.

     Foi com essa conotação principialista – já que pautada em quatro princípios pretensamente universais – que a bioética tornou-se conhecida nos EUA, ganhando em seguida a Europa e, progressivamente, o restante do planeta. Passadas as décadas de reconhecimento da bioética (1970) e de sua consolidação (1980), os anos 1990, no âmbito da disciplina, tornaram-se conhecidos epistemologicamente como aqueles de sua revisão conceitual, marcada por fortes críticas teóricas à universalidade dos quatro princípios, aos quais foram contrapostos o respeito ao pluralismo moral constatado principalmente nas nações de cultura não anglo-saxônica, de onde provinha a teoria.

     Neste contexto o Grupo de Pesquisa em Filosofia e Bioética – PhiBio se propõe entrar neste debate, articulando em seu seio os maiores pesquisadores do tema no Brasil e na América Latina. Com este seu Seminário Inaugural deseja colocar as bases conceituais de um diálogo in fieri sobre a relação da Bioética com seus conceitos filosóficos fundamentais.

     A bioética é uma das áreas acadêmicas em maior expansão neste início de século XXI. A partir do extraordinário desenvolvimento científico e tecnológico da segunda metade do século passado, as melhores decisões para os novos conflitos morais passaram a exigir novos estudos e interpretações. Além disso, velhos problemas morais ainda persistentes (como a pobreza, o aborto, a eutanásia, a exclusão social e outros) continuam a ser objeto de preocupação em países de diferentes partes do mundo. Nesse sentido, o estudo da Bioética deixa de ser um luxo de poucas nações industrializadas e mais adiantadas e passa a constituir uma necessidade para os países em desenvolvimento. É exatamente nesse contexto que se justifica a criação de espaços acadêmicos qualificados, como é o Phibio, para o debate sobre os fundamentos filosóficos das questões bioéticas.

    No contexto brasileiro, é crescente o número de disciplinas de Bioética criadas nos mais diferentes cursos das áreas biomédicas, sociais e humanas. Aumenta, portanto, a necessidade de formação de professores e pesquisadores devidamente capacitados para enfrentar, com competência e sólidos conhecimentos, esta demanda. Além disso, já passa de 500 o número de Comitês de Ética em Pesquisa com Seres Humanos ativos no País. Juntamente a estes, começam a ser criados dezenas de Comitês de Bioética Hospitalar e/ou Institucional que, somados aos Comitês de Ética Profissional já existentes, e aos emergentes Comitês Estaduais e Municipais de Bioética, criam a necessidade de recursos humanos capacitados para o enfrentamento, antes de tudo teórico e conceitual, das questões em pauta.